Quando se fala em traição, a primeira ideia que vem à mente é a traição sexual, quando um homem trai sua esposa ou quando uma mulher trai o seu marido.


“Promete ser fiel, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença?”
“Sim, prometo”.
Será?
Os relacionamentos, normalmente, estão centrados na ideia da fidelidade sexual. Mulheres vasculham os bolsos de seus cônjuges que, por sua vez, procuram provas de infidelidade nas cobranças do cartão de crédito. Celulares e e-mails são invadidos em busca de uma prova da traição.

Quem ama não trai. Mas o que é realmente trair?
Quando o homem olha as mensagens no celular de sua esposa, não está traindo a sua confiança? Quando uma mulher cheira a camisa do marido em busca de pistas de uma amante, não o está traindo com seu ciúme exagerado?

O medo de ser traído não nos leva a uma outra traição?
Há diversas traições em um relacionamento, mas ninguém as cita. Todas são consideradas normais e justificadas contra um mal maior: a traição sexual.
 
Mas isso não é traição. Será?
 
Carlos e Adriana tinham um ótimo relacionamento. Carlos adorava jogar futebol e tomar cerveja com os amigos. Adriana era divertida, sempre incentivava o namorado em suas atividades e nunca reclamava de nada. Era uma ótima companhia, constantemente meiga e sorridente. Então, veio o casamento. Logo nos primeiros meses, Carlos notou que Adriana estava diferente. Em pouco tempo, começou a implicar com os jogos de futebol e as saídas do marido com os amigos. Tornou-se rabugenta e insuportável. Como nos contos de fadas, Adriana se transformou na madrasta má, como se o namoro fosse apenas um ato bem ensaiado para o casamento.
 
Não só mulheres, mas homens também fingem ser o que não são para agradar o outro e conseguir conquistá-lo. Enquanto são apenas namorados, precisam ser cuidadosos e representar um papel, pois a qualquer momento, podem perder seu parceiro. O casamento, no entanto, leva a uma falsa segurança de que agora é para sempre. Não é mais necessário fingir. “Agora você me pertence”. “Nada mais pode nos separar”. Então a máscara cai e a pessoa se mostra como ela realmente é.

Isso é traição.

Cinco amigas estão reunidas em uma casa de chá. Todas, com exceção de uma, reclamam do marido. Um é muito estúpido, trata a esposa com desdém e desrespeito. O outro é workaholic, nunca está em casa. Um passa o domingo inteiro sentado em frente à televisão assistindo aos jogos do Brasileirão. O outro nunca dá presentes à sua esposa ou a leva para jantar fora, como fazia nos tempos de namoro. Somente Sara não reclama. Seu marido é atencioso, trata-a com carinho, está sempre disposto a ouvi-la e frequentemente a surpreende com flores. Todas têm inveja de Sara e secretamente a odeiam.

Então, de repente uma descoberta surpreendente deixa as amigas tão felizes quanto compadecidas. O marido de Sara foi visto aos beijos e abraços com outra mulher. O casamento, obviamente, acabou. Sara não consegue mais encarar as amigas. Fora uma burra, uma iludida. Fora enganada, traída. Os outros casamentos eram, sem dúvida, melhores do que o seu.

As amigas, em compensação, comentam entre elas, com uma ponta de malícia:
— Não é à toa que a tratava tão bem. Tinha culpa no cartório.

Enfim, tratar mal, pode. Tratar com indiferença, pode. Tratar com descaso, pode. Estas mulheres não se sentiam traídas. Passaram a olhar os maridos com outros olhos. “Coitadinha da Sara. Que bom que meu marido é diferente”.

Diferente? Não. Traidor também, só que de outra forma.

Tatiana transformou a vida de Gustavo em um inferno. Depois de 20 anos de casados ele é apenas uma sombra do que já foi. Seus olhos já não têm brilho. Seu sorriso é apagado. Seus amigos há muito se afastaram. As brigas são constantes e exaustivas. Tatiana sente um ciúme doentio do marido e conseguiu afastá-lo de todos os familiares e conhecidos, de todas as pessoas que ele amava. Ele é só seu e de mais ninguém. Gustavo está sozinho e miserável. Mas não cansa de repetir que sua mulher deveria estar em um pedestal, pois em todos os anos em que estão juntos ela jamais olhou para outro homem e jamais olharia sob nenhuma circunstância. É a mulher mais fiel que ele já conheceu.


Fiel? Não. Traidora da pior forma possível. Seu marido está morto em vida.
Flávio tem o dom da fala. Diz tudo o que sua esposa quer ouvir. Ela é a mulher de sua vida. Nunca antes havia se apaixonado desta maneira. Poderia ter se casado com qualquer outra mulher, mas a escolheu por ser tão especial. Vive lhe dando presentes, flores e cartões. Sua boca é sua espada. Mas suas ações não acompanham suas palavras. Grita com a esposa por qualquer motivo. Não gosta de trabalhar, deixando-a sozinha com os encargos da família e da casa. Tudo em Flávio é falso, artificial. Mas é sempre galanteador, político, fanfarrão. Nada do que diz é verdade, mas sua mentira é doce.

Isso também é traição.
Celina está empolgada por uma nova oportunidade de emprego. No entanto, se conseguir a vaga, terá que trabalhar em outra cidade e verá seu marido apenas nos fins de semana.

O celular de Celina toca, mas ela está no banho. Otávio atende. Descobre que a vaga é dela e que aguardam sua resposta até o fim da semana.
Otávio desliga o celular e nunca conta à esposa o que aconteceu. Apenas a consola em seus braços quando o tempo passa e ela não é chamada.
Ora, isto não é traição?
Traição é traição
 
Ser infiel sexualmente é traição. Mentir é traição. Fingir ser o que não é, é traição. Vasculhar as coisas do parceiro é traição. Transformar a vida do outro em um inferno é traição. Não há traições melhores ou piores. Não há traições aceitáveis ou desculpáveis. Traição é traição.
Mas a traição só se dá entre os cônjuges? É óbvio que não. Podemos trair um amigo, virando-lhe as costas quando ele mais precisa de nós. Podemos trair um colega de trabalho, puxando seu tapete para subirmos mais rápido. Podemos trair nossos pais, nossos filhos, nossos chefes, nossos subalternos. Há formas e formas de traição e ela não está confinada apenas aos casais.
Traição é traição.

A traição também não está somente vinculada ao outro. Frequentemente nos traímos com extrema facilidade. Estamos traindo a nós mesmos quando nos boicotamos à procura de um emprego. Quando aceitamos que outra pessoa nos trate mal, com desprezo ou crueldade. Quando não confiamos em nosso valor. Quando dependemos da opinião dos outros a nosso respeito. Quando não acreditamos em nosso potencial. Quando inventamos desculpas para não enfrentarmos nossos medos e caminharmos para o nosso sucesso.

E se frequentemente nos traímos, como podemos esperar que o outro seja fiel?
Se sufocamos o parceiro com ciúmes infundados e doentios por falta de confiança em nosso próprio valor, estamos traindo a nós mesmos, ao parceiro, e abrindo o caminho para outra traição.

Se não confiamos em nosso valor e ficamos com determinada pessoa somente pelo medo de ficarmos sozinhos, estamos nos traindo intensamente e roubando nossa chance de felicidade.

Se não somos capazes de amar e confiar no outro, significa que não somos capazes de amar e confiar em nossa própria pessoa.

Como esperar fidelidade alheia quando não somos fiéis nem a nós mesmos?
Traição é traição. Podemos perdoar, podemos até esquecer, mas não podemos fugir de uma e culpar apenas a outra. Não podemos crucificar alguns e desculpar os outros, aceitando determinadas traições como normais e justificáveis.
Traição é traição.

Texto de: Lucia Moyses - psicóloga, neuropsicóloga e escritora  - autora dos livros “Você Me Conhece?”; “E Viveram Felizes Para Sempre”; entre outros - www.luciamoyses.com.br
 

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