As diferenças entre as Escolas Xuan Kong Fei Xing (Estrelas Voadoras) e Ba Zhai (8 Palácios) no Feng Shui Tradional

 

Observar o Feng Shui como uma metodologia linear, fundamentada apenas numa relação de eficácia pelo efeito utilitarista obtido (sucesso, estabilidade financeira e bons relacionamentos) é generalizar em demasia suas ferramentas mais importantes, sobretudo as possíveis atuações enquanto veículo consciencial (construção + pessoas) e dinâmicas de reflexão interna, sobretudo nos Novos Tempos (aspectos discorridos em artigos anteriores). Fora a existência, obviamente, de uma aplicação concreta e técnicas condizentes de análise, tais ferramentas não deveriam ligar o Kan Yu a um modelo de moral pragmática, onde o certo é aquilo se obtém enquanto desejo pessoal, engatilhado na dinâmica de custo-benefício (máximo de ganho ou prazer com o mínimo de perda ou, nesse caso, de esforço pessoal), mesmo que existam visões marqueteiras tanto modernas quanto clássicas que reforcem essa ideia de ação “mágica” unilateral, onde um efeito transcendental, seja colocando um Ba Gua na porta, um espelho atrás do fogão ou até uma direção de cabeceira de cama, assumam um “pacotão fengshuístico” misterioso, porém supostamente efetivo.

            Atendo-se aos aspectos tradicionais do Feng Shui (como averiguado no escrito do mês anterior), muitos são os métodos baseados nas linhas de abordagem San-He (3 Harmonias) e San-Yuan (3 Ciclos). Cada um deles tem uma visão peculiar de trabalho, com caminhos específicos de averiguação e propostas de harmonização. Será apresentada, nesse momento, uma breve introdução das possíveis diferenças entre as duas escolas mais conhecidas no meio clássico, que em escritos posteriores serão explicadas com mais detalhes: as Estrelas Voadoras e os 8 Palácios.

 

 

Das complexidades do Vazio Misterioso (Xuan Kong) à singeleza das 8 Mansões (Ba Zhai)

 

            Originária da tradição matemática San-Yuan, a Escola do Vazio Misterioso é uma das mais importantes e complexas do Feng Shui, pois leva em conta os conceitos de Luan Tou (Forma) e os aspectos de Tian Qi existentes. Entenda Energia do Céu como sendo o enfoque dado ao fator Tempo, a maneira como o homem pode melhor utilizar os potenciais que a construção oferece, tendo em vista o estudo de probabilidades favoráveis e desfavoráveis que mudam de acordo com os períodos (blocos de 20 anos).

            Se o método das Estrelas Voadoras é uma disciplina muito complexa e específica (a ser apresentada no futuro), encontra-se um contraponto muito interessante no sistema das 8 Casas, já que este tende a ser o oposto: singelo e amplo. Como singeleza é muitas vezes entendida como alguma coisa simples, é comum uma formação iniciar pelo Ba Zhai, por vezes com o subtítulo “Introdução ao Feng Shui”. O cuidado aqui é esclarecer que, além do termo singelo não significar que algo esteja simplificado; no caso dos 8 Palácios tal condição não deveria ser abordada como sendo introdutória, mas sim diferente. Vide tabela explicativa abaixo:

 

Escola

Abordagem

Enfoque

O que esperar

O que não esperar

Xuan Kong Fei Xing (Vazio Misterioso das Estrelas Voadoras)

Matemática

Tempo

(Aproveitamento dos potenciais da construção de acordo com os ciclos energéticos)

Estudo pormenorizado das probabilidades de ocorrência de eventos específicos pelo estímulo da construção.

Referenciais baseados em leituras emocionais, como a sensação de bem ou mal-estar que o local proporciona.

Ba Zhai

(8 Palácios)

Poética

Espaço

(Estudo baseado na percepção da Força do Lugar) e aspectos sinestésico-emocionais

Avaliação das tendências psicoemocionais que a edificação estimula nos moradores.

Conclusões sobre a qualidade energética do ambiente tendo em vista somente os eventos probabilísticos baseados no fator tempo.

 

 

            Mas quais seriam os motivos pelos quais o método das Estrelas Voadoras é considerado mais relevante? É interessante analisar os motivos. Na visão do autor, um dos pontos mais importantes a se considerar é a consistência didática. No caso da escola Fei Xing, mesmo havendo linhagens interpretativas, o “corpo” conceitual manteve-se razoavelmente coerente (por causa do forte enfoque metodológico San-Yuan), além do que o mestre Jian Da Hong exerceu grande influência, devido aos seus comentários em cima das obras referenciais sobre o assunto, o que acabou “selando”, direta ou indiretamente, quais tipos de escolas baseados nos 3 Ciclos eram mais coerentes, o que não ocorreu com a outra escola. Num outro sentido, a maior fragilidade do Ba Zhai (mas o que a torna, ao mesmo tempo, muito rica nos tempos atuais) foi a discrepância de linhas que clamaram para si mesmo a autenticidade na “revelação” dos segredos por trás do código Da You Nian Ge (o pergaminho ancestral que gerou as mais variadas interpretações, e que, a partir do século XVIII, deu origem as diversas interpretações das 8 Mansões).

            Voltando ao assunto singeleza versus simplicidade, pelo aspecto didático até se torna coerente iniciar pelo mais “singelo” em direção ao avançado. Entretanto, a questão deveras tendenciosa é quando se compara dois métodos distintos (Ba Zhai e Fei Xing) e se estabelece juízos de valor (ou seja, como errado e certo, o falso e o verdadeiro, etc) em vez de apenas juízos de ordem prática (um atendendo de maneira mais eficaz do que o outro, dependo do enfoque, etc). O que costumeiramente se faz é utilizar a interface dos 8 Palácios até o nível básico, descartando-o quase por completo ao se apresentar as Estrelas Voadoras, com a justificativa de que não é possível associá-los, fazendo uma opção metodológica pelo que possui um cunho matemático e uma roupagem ao mesmo tempo complexa (como sinônimo de mais eficiente e fundamentado), o que pode ser no mínimo uma incoerência ou pior, um grande equívoco.

            Ao se avaliar pragmaticamente as escolas, sobre um ponto de vista relativo à capacidade analítica e dinâmica que pode ser utilizada como recurso efetivo para se gerar efeitos concretos, o método das Estrelas Voadoras é, obviamente, a proposta mais coerente. Aliás, torna-se quase enfadonho tentar correlacionar o Ba Zhai nisso, pois a tendência, ao se tentar criar uma metodologia utilitarista para os 8 Palácios, é exaltar os setores maléficos e benéficos de forma muito mais enfática, onde o maniqueísmo exacerbado determina o bom e ruim absolutos, sendo que a proposta linear e rasa de solução é ampliar os presságios “do bem” e eliminar os “do mal”, por meio de curas pré-definidas. Entretanto, tendo em vista a maneira diferenciada apresentada no artigo, fica a crença na abordagem distinta dos métodos (e, por conseguinte, a possibilidade de uso complementar ou conjunto, entre um e outro), conforme se resume:

 

  • Xuan Kong Fei Xing / Estrelas Voadoras: foco nas tendências probabilísticas e padrões de eventos intra e interpessoais, com pouco “rapport” sinestésico-cognitivo com o ambiente. A linguagem é fundamentada e reconhecida pelas ocorrências em si, e não por sensações;

 

  • Ba Zhai / 8 Palácios: foco nas percepções emocionais que o ambiente estimula nos moradores e estudo das tendências comportamentais por efeito cumulativo. A linguagem é fundamentada e reconhecida pelas sensações intrapessoais e não, necessariamente, por ocorrências favoráveis ou desafiadoras;

 

            Assim, percebe-se que aqui se explicita uma diferença na abordagem de ambas as escolas, mesmo que nos ditos manuais clássicos não esteja clara essa diferença de abordagens. Instiga-se aos pesquisadores, portanto, adequações das linguagens e sentidos deterministas existentes em ambos os sistemas, em direção a visões mais conscienciais, amplas e “em aberto”, alinhando-se assim com o momento atual.

            Para muitos tradicionalistas, talvez isso não possa mais ser considerado como um Feng Shui autêntico, e as modificações sugeridas, tornam-se pseudo-interpretações de “verdades” contidas nos clássicos. Entendendo que o fator histórico não deva ser negado, mas no momento em que se opta por utilizar conceitos de mais de 250 anos nos dias atuais, tentar ser o mais “original” é assumir uma perspectiva anacrônica brutal, onde os buracos conceituais geralmente são preenchidos com “achismos” pedantes tratados como segredos remotos intocáveis (e que tendem a ser mantidos à risca, em pleno século XXI, com adaptações mínimas). Da mesma forma que o novo não significa algo melhor, ancestralidade não conota sabedoria ou pureza necessariamente, mas apenas algo com garantia de mais idade. Tendo isso em vista, não seria mais ético assumir que um sistema é inspirado pelo antigo, mas reformulado enquanto metodologia e aplicação, ao que se necessita existencialmente, nos Novos Tempos?

            Assim, cuidemos para que o tal resgate do ancestral como resposta aos anseios da contemporaneidade não se torne uma repetição da submissão e imposição do mais forte de eras anteriores, bem como um incentivo às memórias das mazelas de nós mesmos desses outros tempos, como ferramentas de sobrevivência viáveis ou justificáveis para os desesperos de hoje. Que possamos renascer sim, mas menos velhos enquanto estagnação de aprendizado, repetição do antigo pelo medo atual e brutalidade como resposta às inseguranças internas. Já existem fanatismos em demasia no mundo, e as visões interpretativas do Feng Shui Tradicional deveriam ser propostas de caminho e reflexão com perspectivas diferentes sim, mas menos doutrinárias, mais dialogáveis entre si, e com um intento em comum: a melhora no ato de morar do homem ético, portanto, de viver...

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