Especialista em direito de família detalha e desmistifica abrangência da lei


Aprovada em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha tem como objetivo proteger mulheres que vivem em ambientes violentos, sob ameaça à integridade física e moral, e à saúde psicoemocional. No entanto, as estatísticas atuais demonstram que 52% das que sofreram algum tipo de violência em 2016, calaram-se, segundo o Datafolha. A pesquisa também aponta que uma em cada três mulheres foram vítimas de violência doméstica. Se olharmos apenas para as agressões físicas, o número é de 503 vítimas a cada hora.

“A Lei Maria da Penha é aplicável somente em casos de agressões contra a mulher em qualquer idade, inclusive quando é menor e sofre violência doméstica praticada por seu genitor, não sendo possível sua aplicação em caso de mulheres agredidas por terceiros que não tenham o elemento comum caracterizado pela relação familiar ou de afeto entre o agressor e a vítima”, afirma a presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões), Regina Beatriz Tavares da Silva.

Importante ressaltar que a lei é uma homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes, agredida pelo marido durante seis anos. Em 1983, por duas vezes, ele tentou assassiná-la, na primeira oportunidade com arma de fogo, deixando-a paraplégica; na segunda, por eletrocussão e afogamento. O marido só foi punido depois de 19 anos de julgamento. Cumpriu apenas dois anos de prisão em regime fechado.

Abaixo listamos esse e outros detalhes que estão previstos na lei, com a explicação da especialista em direito de família, Dra. Regina Beatriz:
 
O que pode ser considerado violência doméstica?
Dra. Regina Beatriz: De acordo com a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
 
Qual é a função da Delegacia da Mulher? Qualquer mulher agredida pode recorrer ou somente aquelas que foram agredidas por companheiros?
RB: A função da Delegacia da Mulher é a de prestar o melhor atendimento às vítimas de agressão moral ou física, aqui incluída a sexual, assegurando proteção à população feminina vítima de violência em casa. Importante ressaltar que atendem somente mulheres vítimas de violência doméstica, ou seja, cometida por (ex) cônjuge, (ex) companheiro, (ex) namorado e outros homens que tenham grau de parentesco com a vítima (tio, primo, sobrinho e cunhado, por exemplo). Todos os demais casos de crimes cometidos contra a mulher são de competências das delegacias comuns.
 
Como funciona a Lei Maria da Penha?
RB: Feita a denúncia na Delegacia da Mulher, deverá ser remetido expediente para o juiz, que, no prazo de 48 horas decidirá sobre as medidas protetivas de urgência, determinará o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso; e comunicará o Ministério Público para que adote as providências cabíveis.

Dentre as medidas protetivas e de urgência estão o encaminhamento da mulher e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção e atendimento; o afastamento do agressor do lar; a recondução da mulher e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor, a medida de distanciamento do agressor em relação à vítima em qualquer lugar em que estejam, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos, dentre outras medidas.

De acordo com o art. 20 da Lei, em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.

Além das delegacias, qual a outra opção para que as mulheres possam buscar auxílio?
RB: Diante de uma agressão física ou moral, a mulher também pode buscar a proteção diretamente nas Varas de Família, por meio de advogado preferencialmente especializado na área do Direito de Família, onde serão aplicadas muitas das medidas protetivas da Lei Maria da Penha.
 
Enquadramento em diferentes tipos de relacionamento:
 
Menores de idade agredidos
RB: Neste ponto as medidas protetivas presentes na Lei Maria da Penha são fundamentais para garantir a proteção das crianças, mas somente as do sexo feminino. Entre as sanções estão: possibilidade de suspensão do direito de visitas do pai à criança, bem como de seu afastamento do lar, de proibição de contato ou de frequência aos locais onde esteja a criança, estas são ferramentas extremamente eficazes para que as vítimas crianças não fiquem mais sujeitas à situação de risco em que se encontravam até então.

A lei pode valer em caso de violência da mãe contra filha e da filha contra mãe. O que é necessário para a sua aplicabilidade é que a vítima da agressão seja do gênero feminino.

Realmente, parece-nos não fazer sentido que uma criança do sexo masculino não tenha direito de socorrer-se da Lei Maria da Penha, assim como deveria receber a mesma proteção o homem de idade avançada, como a seguir será exposto.
 
Relacionamento homoafetivo
RB: Em casos de casais de mulheres em um relacionamento homoafetivo a Lei deve acontecer do mesmo modo, o direito tem que ser igualmente aplicado. A Lei Maria da Penha visa coibir qualquer tipo de violência doméstica e familiar, independente da orientação sexual.

A lei garante proteção a todas as mulheres e pode ser aplicada igualmente às mulheres homossexuais. No entanto, no meu modo de ver, todos os que são efetivamente vulneráveis deveriam estar incluídos na proteção da Lei Maria da Penha, cite-se, a propósito, o homossexual masculino mais fragilizado na relação homoafetiva.
 
Transexuais
RB: A lei trata da mulher como “gênero feminino”, portanto, transexuais, que tenham se submetido a cirurgia de mudança de sexo, enquanto pertencentes ao grupo feminino, havido como vulnerável, devem receber proteção judicial e serem acolhidos por esse ordenamento. Isso fica muito claro quando lemos os artigos 2º e 5º da lei, que veda qualquer forma de discriminação em razão da orientação sexual.

A Lei Maria da Penha visa repelir a violência de gênero, decorrente de uma posição de hipossuficiência física ou econômica, no âmbito da unidade doméstica, da família ou de qualquer relação íntima de afeto, a qual gera uma situação de opressão da vítima. No entanto, já que essa lei somente considera vítima a mulher, não oferece proteção aos homossexuais masculinos, o que nos parece errado, assim como é equivocado o conceito legal que desconsidera os filhos homens de menor idade e outros homens que são efetivamente vulneráveis.

Tribunais de 5 estados já concederam os direitos da Lei Maria da Penha para transexuais, em uma decisão recente um Juiz de Direito do estado do Acre, interpretou um caso de violência doméstica contra uma transexual dentro da Lei Maria da Penha.  Nestes casos deve sempre prevalecer em primeiro lugar o princípio da dignidade da pessoa humana, presente no artigo 1º, inciso III da nossa Constituição Federal. Não podemos tolerar nenhum tipo de violência. Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 8032/14 de autoria da Deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que estende a pessoas transexuais e transgêneros que se identifiquem como mulheres a proteção da Lei Maria da Penha.  
 
Mulheres que apanham de homens que possuem grau de parentesco
RB: A Lei Maria da Penha é aplicável em casos de agressões contra a mulher em qualquer idade, inclusive quando é menor e sofre violência doméstica praticada por seu genitor, tendo como elemento comum a caracterização de relação familiar ou de afeto entre o agressor e a vítima. Ou seja, a Lei age em prol da mulher em casos que envolvam o marido, o companheiro, o pai, irmãos, ex-namorados e, até mesmo, cunhados.

Não sendo possível sua aplicação em caso de agressões contra homens, como pretenderam alguns. Isso porque o STF entendeu que a mulher é, em regra, fisicamente mais vulnerável, o que é comprovado pelas diversas estatísticas sobre o assunto.
 
Homens vulneráveis
RB: Existem casos em que a mulher é sim mais forte e detentora do poder dentro do relacionamento. Em casos como esse, o homem não é protegido pela Lei Maria da Penha. Contudo, ele pode buscar proteção por outros meios, registrando a violência em Delegacia comum.

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