No artigo de fevereiro de 2016 (Feng Shui Tradicional, Cosmologia Chinesa e o Homem em Transformação) , abordou-se as harmonizações ambientais e funções do Feng Shui, onde foram demonstradas as diferenças entre tradição e escola, sob a visão do Kan Yu. Nesse sentido, foi explanada a ideia de que, conceitualmente, era equivocado (ou pelo pelos muito genérico) separar esse estudo ambiental nas três perspectivas comumente disseminadas: Escola da Forma, da Bússola e do Chapéu Preto (para designar a perspectiva dita moderna). Em tese, esse reducionismo didático foi o resultado do “boom” do Feng Shui no ocidente, numa tradução aproximada (mas errônea) dos termos Luan Tou (Análises Formais) e Li Qi (Análises dos Potenciais Não Formais – em outras palavras, direcionais).

Assim, além de salientar que existirem linhas completamente diferentes de atuação no Feng Shui (Moderna e Clássica), retoma-se nesse instante a terminologia mais coerente de Tradição, no que tange a perspectiva aqui tratada (a segunda), para entendermos as maneiras de se meditar sobre o espaço energético:

 

  • Tradição San-He (3-Harmonias): abordagem poética, sensível e de cunho psicoemocional, foca no diálogo integrativo entre a natureza, a construção e os moradores, com prioridade para o estudo da "força do lugar".
  • Tradição San-Yuan (3-Ciclos): visão mais técnica e matemática, prioriza o estudo probabilístico das ocorrências de eventos que podem melhorar ou desgastar a qualidade e vida como um todo. Destaca-se pelas análises do "fator tempo", tendo em vista os ciclos energéticos globais e pontuais que fundamentam as experimentações pessoais e "janelas" de oportunidade.

 

Desta forma, destaca-se que a análise de ambientes deveria se iniciar sob uma perspectiva de modelo analítico, pois assim uma proposta de caminhada interpretativa é estabelecida. Cada uma das tradições possui escolas que, apesar das especificidades, atuam, em geral, de maneira complementar dentro da própria visão (San-He ou San-Yuan). Vide algumas escolas:

 

  • 3-Harmonias:

- Xing Shi Pai (Escola dos Potenciais Manifestados – ou Aspectos Formais Complexos);

- San-He Ba Zhai (8 Palácios da Tradição das 3-Harmonias);

- Shan Shui Long Xue (Estudo dos Dragões de Montanha e Água);

 

  • 3-Ciclos:

- San-Yuan Ba Zhai (8 Palácios da Tradição dos 3-Ciclos);

- Xuan Kong Zi Bai (Vazio Misterioso da Púrpura-Branca);

- Xuan Kong Fei Xing (Vazio Misterioso das Estrelas Voadoras);

- Xuan Kong Da Gua (Vazio Misterioso do Grande Hexagrama);

- San-Yuan Shui Long Pai / Qian Kun Guo Bao (Escola dos Dragões de Água da Tradição dos 3-Ciclos);

 

E a escola da forma, onde se encontra nessa lista? Conforme citado no decorrer desse escrito (e de outros anteriores), parece não haver, categoricamente, essa tal escola como metodologia fechada e absoluta em si (mesmo que teimamos a catalogarmos assim nas últimas décadas), pois no Feng Shui Clássico não é possível isolar os estudos formais das direcionais, sendo a “máxima” Forma + Bússola um princípio indissociável. Por quê?

Os chavões mais comuns no estudo sobre os temas de vento e água costumam ser os famosos “Meu quarto ou sala tem uma energia ruim”, “Aqui me sinto muito harmonizado” ou até “Depois que obra no vizinho iniciou, minha vida tornou-se instável”, etc. E o que isso denota? Que a tal constatação de cunho sutil só pode ser averiguável, nessa perspectiva, pelos pressupostos (baseadas em teorias metafísicas ou factíveis), que obviamente só tem sentido através de um referencial (a partir do status Quo do que seja a harmonia pessoal sensível e as crenças particulares) e, no quesito empírico, sobre os parâmetros do tempo (hoje, durante o mês, há um ano, etc.) e espaço (aqui, acolá, etc.). Nesse sentido último, afirmar que alguma condição é apenas boa ou ruim energeticamente pouco agrega de significado, já que é necessário saber também onde ela se encontra (Fan - sentido de localização ou área) e qual relação direcional ou angular tem com o ponto de referência, seja uma pessoa ou construção (Wei - sentido de direção).

Em outras palavras, um Qi /Chi manifestado (com possível inferência qualitativa pelo estudo das formas) ou não manifestado (de cunho probabilístico ou reconhecível emocionalmente, ambos averiguados pelas escolas e técnicas especificas, sobretudo pelo ferramental do Li Qi) sempre atua sobre os matizes de Forma + Bússola, mesmo que talvez a percepção do uso possa induzir a uma interpretação equivocadamente individualizada.

 

O Feng Shui e a problematização do olhar

 

Um dos pontos mais desafiadores ao ser apresentado aos muitos estudos do Kan Yu é, sobretudo para os ocidentais (em geral acostumados a um modelo de pensamento utilitarista e pragmático), reforçar o seguinte questionamento: Qual das escolas é melhor ou resolve o meu problema? Qual é a “mais” verdadeira?

Uma série de teorias (geralmente fundamentadas sob o viés já determinado pela afinidade contextual de um famoso mestre ou escola) tendência e muito qual tradição (e, portanto, quais escolas e métodos) são “autênticos” e deveriam ser levados em consideração, o que, se por um lado facilita o entendimento dos seguidores e neófitos no assunto, por outro restringe imensamente a possibilidade de se inferir perguntas mais profundas e pertinentes: Quais são as funções de cada escola? Como elas funcionam? Quais são mais eficientes, de acordo com as condições ou situações específicas? Dada a complexidade, tais questões merecerão um estudo à parte, voltando a ser discutidas em artigos futuros.

Como ponto de vista é um parâmetro nuclear na Metafísica Chinesa (e na vida em geral), será introduzido, nesse momento, novos referenciais para auxiliar na reflexão mais atenta sobre as maneiras de olhar. Para tanto, apresentar-se-á as diferenças (no parâmetro específico do Feng Shui Tradicional, na ótica do autor) entre visão perceptiva e visão cognitiva. A primeira trata da assimilação de informação pelos sentidos (com destaque a visual), reconhecimento funcional e condicionamento das inter-relações diretas ou possíveis entre a pessoa e o externo. A segunda se refere a algo mais intrincado: além de permear a primeira, a visão cognitiva se atenta aos possíveis códigos ocultos ou sutis embutidos, seja nas formas, nos objetos, nos ambientes, entre outros, através de um olhar mais sofisticado (enquanto meandros de possibilidades interpretativas) e treinado, o que requereria do observador um mínimo de neutralidade e sensibilidade para além dos parâmetros óbvios da gravidade, da estética maniqueísta e das afinidades do bem gostar apenas, se tornando, em máxima instância, algo que tangenciaria a capacidade humana de interagir com o mundo de uma outra maneira (mais ética?).

Um exemplo dos mais interessantes e singelos (mas não necessariamente simples) se encontra na teoria do Tai Ji, retomada a partir dos parâmetros do artigo do mês de março (Feng Shui Tradicional, Cosmologia Chinesa e o Homem em Transformação – Parte 2 / Momentos Energéticos - Desafios Globais e Pontuais). Trata-se do estudo de Yin Yang enquanto Forma e Energia.

Como Forma Yin-Yang entende-se a capacidade de estabelecer uma linguagem concreta baseada no reconhecimento dos opostos, a partir dos 5 sentidos (principalmente pelo sinestésico, visual e auditivo), sendo um exemplo comum disso a capacidade natural de se entender o dia e a noite, com a separação de ambas entre o nascer e o pôr do Sol. Como Energia Yin-Yang, referimo-nos a uma transformação energética mais sutil, dinâmica e não necessariamente captada de maneira rápida pelos sentidos. Mantendo o exemplo do dia e da noite, entende-se racionalmente que um novo dia começa após as 0h (no ápice da energia noturna), mas não é comum alguém dizer que a noite, utilizando esse mesmo referencial, inicia logo após o meio dia, com o Sol ainda a pino (a isso requereria uma visão cognitiva, portanto).

Assim sendo, tendo em vista diferentes referenciais, o sentido de Forma e Energia poderia ser expresso, em alguns exemplos, da maneira abaixo:

 

Referencial

Yin-Yang

Forma

Energia

A edificação

Paredes e aberturas, estruturas funcionais e mobiliário

Uso dos ambientes, caminhos entre as áreas, hábitos e rotinas pessoais

A pessoa

Aparência, posição social, função no mundo, titulação, conquistas

Comportamento, pensamento (crenças, reflexões, etc.), a sensibilidade

Referencial

A matéria, o concreto,

o comprovado, o funcional, o estático

O espírito, o abstrato, o sentido, o emanado, o que está em transformação

Paradigma

O seguro, o normativo, o comum, o estabelecido, o dogma

O incerto, a transformação, o diferente, o novo, o devir

Função do Feng Shui

Trazer abundância e prosperidade, incrementar / melhorar os relacionamentos e saúde

Estimular a reflexão sobre o momento / condição, possibilitando uma melhora na qualidade de vida pelo entendimento dos processos intrínsecos à condição casa-morador e pela mudança do referencial perceptivo, baseada, sobretudo, na ampliação do leque das escolhas pessoais.

 

Nos próximos meses, serão abordados os aspectos gerais das escolas apresentados nesse artigo. Como foco (e convite para leitura futura), inspira-se uma postura neutra e menos radical quanto às validações de eficácia de um estudo sobre o outro (os famosos juízos de valor, dependendo do conhecimento prévio do leitor). Cada uma das escolas acima possui técnicas e análises específicas, o que proporciona, ao consultor, uma série de possibilidades de atuação e avaliação e, ao estudioso, uma verdadeira jornada de pesquisa e aprofundamento.

 

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